Estado, Juventude e Trabalho Escravo
Gostaríamos de partilhar com os leitores a problemática do
trabalho escravo, a situação de vulnerabilidade social em que se encontram
nossos jovens, o que favorece o seu aliciamento como mão de obra escrava; e
também refletir o papel da Sociedade e do Estado na defesa da juventude.
Lembramos que o trabalho escravo está entrelaçado com o Trafico Humano, sendo
esta atividade um dos principais destinos das pessoas traficadas, junto com a
exploração sexual, a extração de órgãos e a adoção ilegal. Nosso foco será o
trabalho escravo.
De acordo com “Organização Internacional do Trabalho”,
(OIT), trabalho escravo, fruto do tráfico humano, é “aquele de caráter
degradante, realizado sob ameaça ou coerção e que envolve o cerceamento de
liberdade”. Diferentemente da antiga escravidão, esta não possui correntes,
pois o empregador tem outros meios para manter o empregado sob o seu controle,
dentre os quais o argumento da dívida de transporte, de alimentação ou pela
aquisição de instrumentos de trabalho. A legislação brasileira afirma, através
do art. 149 do Decreto-Lei nº 2.848, de 1940 (Código Penal), que “submeter
alguém a trabalho escravo, ou a condição análoga, caracterizado pela sujeição
do trabalhador ao empregador, tomador dos serviços ou preposto,
independentemente de consentimento, a relação mediante fraude, violência,
ameaça ou coação de quaisquer espécies: Pena – reclusão, de 5 (cinco) a 10
(dez) anos, e multa.”
É sabido que a escravidão no Brasil foi extinta oficialmente
em 13 de maio de 1888. Contudo, em 1973, Dom Pedro Casaldaliga, então bispo de
São Felix do Araguaia, denunciava a existência de trabalho escravo na região.
Anos mais tarde, em 1995 o governo brasileiro admitiu a existência de condições
de trabalho análogas à escravidão. Os principais fatores que propiciam o ciclo
do trabalho escravo são: a ganância, a miséria e a impunidade. Salienta-se que
alto índice de analfabetismo dos jovens brasileiros cria situações de
vulnerabilidade que favorecem o aliciamento para o trabalho escravo. É
importante ressaltar que o trabalho escravo não existe somente no meio rural,
ocorre também com menos intensidade, porém, com a mesma gravidade em áreas
urbanas.
A erradicação do trabalho escravo é um grande desafio para a
sociedade brasileira. As leis existentes e os esforços para a sua aplicabilidade
não tem sido suficientes para acabar com esse flagelo social. Mesmo com
aplicações de multas, apreensões de mercadorias, corte de crédito rural ao
infrator, a utilização do trabalho escravo é, sobretudo, um bom negócio para
muitos fazendeiros e empresários porque torna barato os custos da mão de obra.
Quando flagrados, os infratores pagam os direitos trabalhistas que haviam sido
sonegados aos trabalhadores e, nada mais acontece. Um mecanismo válido enquanto
inibidor da prática escravagista é a expropriação das terras onde for
constatado o trabalho escravo, é o que propõe a PEC 438, que foi já aprovada na
Câmara dos Deputados e depende ainda da revisão do conceito de Trabalho Escravo
no atual Código Penal.
É importante lembrar que não basta modificar as leis sem
lhes dar completa efetividade. Cabe fazer valer a lei e superar a morosidade do
Judiciário no julgamento dos crimes contra a dignidade humana pela prática do
trabalho escravo e também na aplicação das sentenças. Com essas ações o judiciário
contribui para a inibição deste crime. Cabe à sociedade e especialmente aos
operadores do Direito identificar e buscar soluções para erradicação do
trabalho escravo.
Mas qual a relação do Estado e da Juventude com o
Trabalho Escravo?
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA define como um dos
direitos sociais de cada cidadão, a educação. A mesma é um direito de todos e
deve ser garantida, melhorada e incentivada pelo Estado para que seja
plenamente promovida, especialmente às crianças e jovens, visando um bom
desenvolvimento social e familiar.
Segundo o censo do IBGE 2010, em todo o Brasil existem
1,423.666 jovens analfabetos, nas faixas etárias de 15 a 29 anos. Considerando
que 40,14% dos trabalhadores resgatados do trabalho escravo são analfabetos com
idade entre 20 e 30 anos, chegamos finalmente à relação da Juventude e do
Estado com o Trabalho escravo. O descaso do Estado para com a educação, põe
diretamente em risco os jovens, que com pouca ou quase nenhuma instrução,
acabam sendo aliciados e submetidos a condições de escravidão, especialmente
nos Estados do norte e nordeste.
No processo de combate ao trabalho escravo é necessário que
o Estado garanta recursos humanos e financeiros suficientes para melhorar a
fiscalização, sendo fundamental uma maior participação de órgãos públicos,
somando forças aos movimentos sociais, que lutam em favor dos direitos humanos,
punindo efetivamente os infratores. A libertação incorre na necessidade de
inclusão social, com adoção de políticas públicas voltadas à educação, assistência
médica, técnica e reforma agrária. A preparação destes jovens para o exercício
do trabalho decente e a inserção em programas de geração de renda, pode ter um
efeito benéfico na superação da vulnerabilidade social, terreno fértil para o
aliciamento de mão de obra escrava. É tarefa do Estado e da sociedade o cuidado
com a juventude, que é o futuro do Brasil.
Paralelo às ações do Estado cabe uma revisão profunda das
práticas da sociedade. Recordemos que o tripé ganância, miséria, impunidade
encontrar-se-á incólume se ainda persistirmos em um modelo social egoísta,
voltado para o consumismo, fechado aos dramas de boa parte dos brasileiros, e alheio
aos apelos para buscar outra forma de conduta. A violência contra o ser humano,
impetrada pelo trabalho escravo, é tão intensa quanto à violência contra a
natureza, e segundo a Sagrada Escritura, o ser humano é o centro da criação.
Tal violência impende que os jovens realizem seus sonhos e
construam seu futuro em condições de liberdade e dignidade. Uma sociedade que
mata os sonhos de seus jovens está ameaçada.
A mudança de atitude da coletividade no que diz respeito às relações
humanas e a relação com os bens materiais contribuirá na superação do tráfico
humano e do trabalho escravo, sua principal derivação.
A proposta da CNBB de uma Campanha da Fraternidade sobre o
tráfico humano para o próximo ano deve ser compreendida como o sopro do Espírito
Santo motivando os brasileiros a devida atenção às pessoas vitimadas e aos
fatores geradores desta situação de negação da dignidade da vida. É importante
aproveitarmos esta campanha para reafirmar nosso compromisso de conversão nos
ambitos; pessoal, comunitário e social.
Italo Ramon Melo Lima
Acadêmico do curso de LETRAS da Universidade Estadual do
Maranhão. Centro de Referência dos Direitos Humanos/ Pastoral da Educação –
Paróquia Santuário Santa Luzia, Maranhão.
Escrito em parceria com Ari Antônio
dos Reis – membro do Grupo de Trabalho de combate ao Tráfico Humano – CNBB.
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