DIA INTERNACIONAL DA ÁGUA: ÁGUA FONTE DE VIDA OU DE LUCRO?
Neste dia mundial da água, convém fazermos pequena reflexão
sobre o que ela significa e as ameaças que pesam sobre esse bem tão vital. Pois
a questão da água potável constitui um dos maiores problemas da humanidade, tão
grave quanto o aquecimento global. Consideremos
os dados básicos acerca da água. Ela é extremamente abundante e
simultaneamente extremamente escassa.
Existe cerca de
um bilhão e 360 milhões de km cúbicos de água na Terra. Se tomarmos toda essa
água que está nos aceanos, lagos, rios, aquíferos e calotas polares e
distribuissemos equitativamente sobre a superfície terrestre, toda a Terra
ficaria mergulhada na água a três km de profundidade. 97% é água salgada e 3% é água doce. Mas somente 0,7% desta é
diretamente acessível ao uso humano.
A renovação das
águas é da ordem de 43 mil km cúbicos/ano, enquanto o consumo total é estimado
em 6 mil km cúbicos/ano. Há, portanto, superabundância de água mas
desigualmente distribuída: 60% se
encontra em apenas 9 países, enquanto 80 outros enfrentam escassez. Pouco menos
de um bilhão de pessoas consome 86% da água existente enquanto para 1,4 bilhões
é ela insuficiente (em 2020 serão três bilhões) e para dois bilhões, não é
tratada, o que gera 85% das doenças constatáveis.. Presume-se que em 2032 cerca
de 5 bilhões de pessoas serão afetadas pela crise de água.
O problema não é
a escassez de água mas sua má gestão para atender as demandas humanas e dos
outros seres vivos da natureza.
O Brasil é a
potência natural das águas, com 13% de toda água doce do Planeta perfazendo 5,4
trilhões de metros cúbicos. Apesar da abundância, 46% dela é desperdiçada, o
que daria para abastecer toda a França,
a Bélgica, a Suíça e o Norte da Itália.
Por ser um bem cada vez mais raro, ela é objeto da cobiça
daqueles que querem fazer dinheiro com ela. Por isso nota-se uma corrida
mundial para a privatização da água. E então surge o dilema:
A água é fonte de vida ou fonte de lucro? É um bem natural,
vital e insubstituível ou um bem econômico e uma mercadoria?
Os que apenas
visam lucro, tratam a água como mercadoria e no máximo como recurso hídrico. Os
que dão centralidade à vida, como a maior criação do universo e o supremo dom
de Deus, a vêem como bem essencial aos seres humanos e a todos os organismos
vivos.
O direito sagrado
à vida implica o direito à água potável gratuita. Mas pelo fato de haver custos
na sua captação, no seu tratamento, distribuição, uso e reuso existe inegável
dimensão econômica. Mas isso não justifica que ela se transforme em fonte de
lucro. Os custos não podem invalidar o direito. Os custos devem ser cobertos
pelo poder público e pela a sociedade com fundos destinados ao acesso universal
de água doce.
Há de se questionar
a expressão “água como recurso hídrico”. Ela, propriamente, não é recurso. É
patrimônio natural que herdamos e que devemos preservar para todos os seres
vivos atuais e futuros. Água é vida. Por isso os cientistas buscam água em
Marte, porque sabem, se existe água lá, estão dadas todas as condições para a
vida, por mais rudimentar que seja.
Quando falamos
em água como vida ressoam em nós outros valores como vida, fecundidade,
purificação, renascimento. Todos estes temas estão presentes nas religiões que
transformaram a água num dos símbolos fundamentais de Deus, e nós cristãos de Cristo e da vida eterna.
A água tem
imenso valor mas não tem preço. Para garantir água para todos faz-se mister uma
ética do cuidado de suas fontes, das matas ciliares junto aos rios e de sua
purificação. Por ser desigualmente distribuida na natureza, o direito de todos à água demanda uma ética da
solidariedade na sua distribuição. E para que não haja disperdício precisamos de uma ética da
responsabilidade; o que jogamos fora fará falta a outros.
Se houver
cuidado, solidariedade e responsabilidade a Terra será generosa e garantirá
água abundante para todos e de qualidade.
*Leonardo Boff é filósofo e teólogo, escritor, assessor do
projeto Cultivando Agua Boa da Itaipu Binacional e um dos co-redatores da Carta da Terra
Fonte: Site Leonardo Boff
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