CARTA DE BRASÍLIA


“As reivindicações dos legítimos direitos das mulheres,
a partir da firme convicção de que o homem e a mulher
têm a mesma dignidade, trazem para a Igreja
questões profundas que a desafiam e que não podem ser encaradas superficialmente” (EG, 104).


Somos mulheres e homens representantes de pastorais, movimentos sociais, organizações não governamentais, juventudes, Cáritas, dioceses, CNBB regionais e nacional, representantes internacionais da França, Espanha, Costa Rica e Argentina, reunidas/os em Brasília, entre os dias 15 a 17 de outubro de 2014, para “debater a realidade das mulheres e seu papel no enfrentamento da fome, pobreza, exploração e tráfico humano, e propor pistas de ação para relações de equidade e justiça social”.

Abordamos temas de amplo significado e relevância, tais como: mulheres e o cenário da invisibilidade da fome, pobreza, exploração e tráfico humano; cultura, religiões e desigualdade de gênero; exploração, tráfico humano e mulheres; direitos humanos, direitos das mulheres.

Nas discussões dos temas, foram problematizadas questões relacionadas às lutas das mulheres negras, pescadoras, ciganas, catadoras, camponesas, quilombolas, marisqueiras, prostituídas, ribeirinhas, encarceradas, indígenas, entre tantas outras em situação de invisibilidade social.

O Seminário “Mulheres: fome, pobreza, exploração e tráfico humano”, promovido por Cáritas Brasileira, CNBB, Pastoral da Mulher Marginalizada e Catholic Relief Services (CRS), situa-se no contexto da Campanha Mundial: “Uma Família Humana: Pão e Justiça para todas as pessoas”.

Em conjunto, constamos que, em pleno século XXI, persistem:

1. A invisibilidade da participação da mulher no trabalho, na sociedade e na família, as condições inferiores a que as mulheres são submetidas, gerando migração forçada de seus territórios, violência e o próprio comprometimento de sua qualidade de vida.

2. O trato desigual nas relações de trabalho, na remuneração, na dimensão de oportunidades de trabalho e na garantia de direitos sociais e econômicos.

3. As práticas machistas e sexistas arraigados na sociedade, que geram, alimentam e perpetuam a violência e a dominação no cotidiano das relações entre homens e mulheres.

4. A agressão, o assédio e a violência, física, psicológica e moral, no âmbito doméstico e social, que atentam contra as próprias mulheres e afetam o contexto pessoal, familiar e social.

5. A crescente migração de mulheres, que apela por maior proteção e garantia ao direito de migrar com segurança, bem como a garantia de não ser forçada a migrar para assegurar o sustento próprio e da família.

6. O fenômeno do tráfico humano, nacional e internacional, onde segundo a OIT cerca de 55% de todas as vítimas no mundo são mulheres e meninas, principalmente para fins de exploração sexual.

7. A significativa presença da mulher na Igreja em inúmeras atividades, mas que ainda carece de maior reflexão e efetiva inclusão no campo das decisões.

8. A existência de avanços e conquistas, forjados na luta das mulheres pelo reconhecimento e afirmação dos seus direitos, assegurados em mecanismos legais e algumas políticas públicas ainda aponta um grande déficit de ações voltadas ao cumprimento e efetivação desses mecanismos.

9. A fome, a pobreza e a discriminação no Brasil têm cor e gênero: as mulheres negras são as principais vítimas desse sistema de opressão e desigualdades.

Neste contexto, reconhecemos que é responsabilidade de todas e todos nós, que lutamos por justiça e equidade, inserir em nossas praticas cotidianas ações de enfrentamento a toda forma de discriminação, desigualdades e opressão e de promover ações afirmativas de transformação dessa realidade.

Neste sentido, é nosso compromisso:

1. Criar espaços de reflexão sobre o tema mulheres no contexto da fome, pobreza exploração e trafico;

2. Ampliar os espaços de participação das temáticas voltadas para as mulheres, articular e fortalecer redes de proteção, articulação e dinamização de ações de emancipação das mulheres.

3. Incidir em políticas públicas e mecanismos legais, especialmente por meio da participação de conselhos, conferências e outros mecanismos de democracia participativa.

4. Denunciar toda forma de violência e discriminação contra a mulher.

5. Exigir dos poderes constituídos a efetivação das Leis e mecanismos de proteção contra a violência e a discriminação da mulher.

6. Adotar metodologias que assegurem a participação de homens e mulheres nos espaços de discussão da superação das desigualdades de gênero.

7. Elaborar uma agenda com calendário comum, em que todos os movimentos e organizações se integrem e fortaleçam as mobilizações e reivindicações dos movimentos de mulheres (ex.: 8 de março, 25 de julho, 7 de setembro, 16 de outubro, 20 de novembro, 25 de novembro, e outras).

8. Incentivar a Igreja e as organizações internacionais a promoverem uma campanha mundial sobre o tráfico de seres humanos, a exemplo da Campanha: ¨uma família humana, pão e justiça para todas as pessoas”.

9. No âmbito da Campanha Mundial contra a fome, fortalecer as iniciativas e participação das mulheres na produção de alimentos agroecológicos, por meio da agricultura familiar e da economia solidaria, fortalecendo as parcerias com políticas de aquisição desses produtos.

10. Lutar pela construção de outro modelo de desenvolvimento, que seja sustentável, valorize a diversidade cultural e territorial, os povos e comunidades tradicionais (dos campos, das florestas e das águas) e o cuidado com a natureza, rumo a sociedade do bem viver.

É tempo de renovar a esperança, de estreitar parcerias, de globalizar a solidariedade!



Brasília, 17 de outubro de 2014