Memórias e lutas –Velho Chico

Neste breve relato escolho abordar o Rio São Francisco a partir das minhas memórias e lutas.
Ribeirinho do Velho Chico, desde o ventre de minha mãe, são suas águas que correm em minhas veias e, desde criança, esses olhos contemplam tamanha beleza. Era bem cedinho, acordava animado e ia tirar água de dentro da canoa em dias de chuva. Era misterioso e ainda é. Sempre que estou em suas margens a espera de um barco, faço uma prece e sinto o desejo de tirar as sandálias e pisar suas águas. Pisar para sentir, não para maltratar.

Recordo uma grande cheia do Rio. Águas que transbordavam o Cais. Fantástico. Fui crescendo e tomando conhecimento de sua importância. Não é só água, mas também terra, fauna, flora, é cultura dos povos. Ao fim de reuniões da fraternidade de Penedo, ao som de um violão, nas margens do Velho Chico, a música parecia desafinar a cada triste pedaço de terra que surgia onde anteriormente era água. Ouvia comentários nas rádios e presenciava relatos saudosos da vitalidade do Velho Chico, Opará (Rio - Mar) dos indígenas.

Através da Articulação Popular São Francisco Vivo, entre romarias e encontros populares, descobri um espaço de mística e luta. A medida que descobria sua extensão e beleza, ia alcançando realidades diferentes, conhecendo o rosto do povo ribeirinho e descobrindo também rostos e nomes dos corresponsáveis pela atual situação do Rio. Aí começa a dimensão da luta da minha caminhada. Denúncias! Protestos! Reuniões! Audiências públicas! Campanhas! Estudos! Pesquisas! E mudança de Vida!

É verdade que querem e estão transpondo suas águas! Dados e mais dados! Uso múltiplo das águas? Povos afetados? Hidrelétricas? Desmatamento? Na matemática, é como uma série infinita de termos que converge para a atual realidade. Ah, mas aqui nesse relato me esforço em expor minhas mais belas recordações. Mas como dissociar as mais belas experiências da triste realidade do Velho Chico? Sou ou não sou parte d’Ele? Suas dores são também minhas dores! Falam em redução de vazão, vendem a transposição como quem vende barato qualquer mercadoria. É preciso educar/conscientizar sempre a população, mas também é preciso melhorar o discurso. Tratar com justiça histórica e socioambiental esse importante Rio. “É preciso estar atento e forte”.

Quero ainda vibrar com a chuva, com a cor marrom de um Rio correndo e misturando a terra, dando o verde das plantas e alimento aos peixes e aves. Quero ver crianças nadando. Quero recordar minha infância. “Corre um boato na beira do Rio: que o Velho Chico pode morrer”, assim, diante dessa realidade, finalizo recordando parte do “Estatuto do Velho Chico”, poema de João Filho que declamei no IV Encontro Popular da Bacia do Rio São Francisco em Bom Jesus da Lapa/BA: “É verdade que jamais foi negado a boca alguma saciar a sede nessas nascentes, porém, agora faz-se necessário primeiramente irmanar-se com o Espírito de sua correnteza e, somente depois, provar de sua Essência”
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