--> Hannah Jook Otaviano é Secretária Fraterna local da Jufra Aliança de Assis (Fortaleza/CE) e Secretária de Formação do Regional CEPI/ Nordeste A2. Hannah participou do Projeto Amazônia e compartilha conosco um pouco mais das suas inquietações brotadas a partir dessa experiência. Tendo em vista que a degradação da Amazônia não se trata somente da questão ambiental, como também a vida das pessoas que dependem exclusivamente da floresta e dos rios ara sobreviverem.


Diário de Bordo – Amazônia. 
"Esses dias não deu pra escrever diariamente, como vinha fazendo em Caballo Cocha, especialmente por causa das atividades e outros detalhes que pretendo relatar mais à frente.
Ainda tentei manter a rotina da escrita diária, mas infelizmente não consegui. Então, aqui, pretendo relatar de forma geral essa semana vivida de forma intensa e que ainda não consegui “digerir” completamente (na verdade, nem sei se um dia conseguirei “entender” essa experiência).
Saímos da cidade de Caballo Cocha, no Peru, e seguimos para Isla Del Tigre, primeiro casario a nos receber, no domingo dia 22 de janeiro. A equipe de “misioneros” (missionários) era composta por mim, hermana Leopoldina e Juan Manuel (que graças a Deus melhorou da sua breve enfermidade).  O percurso entre Caballo Cocha e Islã Del Tigre foi de aproximadamente uma hora de “peque-peque” (barquinho a motor). Levamos um kit montado pelo frei Atílio com algumas coisas básicas para passarmos a semana e mantimentos que a nossa comunidade que missionamos na semana passada nos presenteou.
O percurso em si é lindo! Uma hora navegando por um dos inúmeros braços do Amazonas, onde não ouvimos nada, apenas o ruído do “peque-peque” que vence a correnteza, e as conversas trocadas dentro do barquinho. Vimos garças e ate “buffeos” (os botos) que claro, eu não consegui tirar fotos. A maior parte da viajem se faz por um dos braços do rio Amazonas, porém para chegarmos à Isla, entramos num rio “menor”, já na fronteira com a Colômbia (a margem esquerda é Peru, a direita, território colombiano já).
Contemplar as maravilhas da natureza era o que fazíamos. Eu não tinha ideia da grandiosidade e a infinitude que nos toma diante da exuberância amazônica: o rio caudaloso, com sua coloração terrosa, misterioso e convidativo ao mesmo tempo; as árvores enormes, imponentes, as vezes que se curvam para o rio, os pássaros que voam e cantam lindamente; os botos que emergem repentinamente e ao seu lado e se vão, silenciosos, para voltar a emergir já bem distante....
Isso é Amazônia, mas ao mesmo tempo não é, porque ela não cabe em palavras. Não consigo descrever a sensação de se “sentir esmagada pela majestade da floresta”. Ela se impõe, somos apenas mais um ser dentro dela, ou pelo menos, era pra ser assim.
Infelizmente, também navegando pelo rio, vimos o lixo boiando em suas águas, às vezes também, preso às raízes das arvores que o margeiam. Nesses casarios, vimos a pobreza das pessoas ribeirinhas. Inclusive, presenciamos uma cena lamentável no segundo dia em Isla Del Tigre: uma senhora de aproximadamente trinta anos, chegara em seu barquinho acompanhada por um homem, que inferimos ser seu companheiro e com algumas crianças. Ela vinha de outro casario à procura do posto de enfermagem que tem em Isla.
Chegou vomitando e muito fraca. Como Isla fica à margem do rio e todas as casas voltadas para ele, ao chegar, irmã Leo a avistou (éramos vizinhos ao posto de saúde)  tentou ajudá-la. Encontrou-a muito debilitada e o descaso do enfermeiro, que não demonstrou qualquer preocupação diante do estado da mulher. Após ser “atendida”, a senhora partiu. Para nossa tristeza, tivemos notícia de seu falecimento no outro dia.
Segundo relatos, ela tivera um aborto espontâneo meses antes e não teve o descanso que esses casos delicados necessitam. Ficamos muito desolados com a notícia e especialmente eu e a irmã Leo refletirmos muito acerca das condições de vida dessas pessoas. Ainda nesse casario podemos observar as rondadas de madeiras que são “sacadas” diariamente, mas por outra lado, vimos também a disputa interna pelo pagamento da energia (em Isla del Tigre só há energia elétrica 4 horas por noite, graças a um motor adquirido pela comunidade e o gasto dos combustíveis são rateados pelos moradores).
Em dois dias e meio nessa comunidade, saímos  reflexivos e mais atentos a essas situações que nos parecem banais mas que são muito complexas. Como falar de ecologia numa comunidade que depende do desmatamento pra poder sobreviver (literalmente); como falar de direitos iguais para as mulheres numa região em que as mulheres morrem desassistidas? Sei que não conheço muito dos serviços públicos peruanos e nem como eles se organizam, mas tanto na outra experiência em Caballo Cocha sobre o combate ao narcotráfico como aqui nas comunidades ribeirinhas, tenho percebido, aos poucos, que os pobres sempre serão os que mais sofrem e são os mais invisibilizados. Ou seja, nada muito distante do que estou acostumada a ver diariamente, apenas em outros contextos."



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