MANIFESTO DOS PESQUISADORES E ANALISTAS DO SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL SOBRE O NOVO MARCO REGULATÓRIO DA MINERAÇÃO
O Brasil aguarda a iminente divulgação pelo Governo Federal
da proposta do novo Marco Regulatório da Mineração, elaborada pelo Ministério
de Minas e Energia. Esta revisão teve início durante o segundo mandato do
presidente Lula e hoje, às vésperas do seu lançamento, a ausência de
informações claras, evidencia a total falta de diálogo com a Sociedade sobre
sua construção.
A proposta de novo Marco deverá ser apresentada ao grande
público através de Medida Provisória, Decreto ou por Projetos de Lei enviados
ao Congresso Nacional, possivelmente em regime de urgência. Na primeira
alternativa, mais provável, passa a vigorar assim que publicado. Em todos os
casos, é quase certo que, no Parlamento, qualquer discussão de modificação da
proposta seja restrita e controlada pelos aliados da coalizão governista.
Se, por um lado representantes da Indústria Mineral, que
foram convidados a contribuir com a elaboração da proposta, reclamam
insistentemente da falta de participação do setor na sua criação, por outro
fica clara a baixíssima disposição do Governo em realizar qualquer tipo de
debate com outros setores da Sociedade ao redor deste tema, em especial com as
diversas entidades civis direta ou indiretamente relacionadas à questão
mineral, como sindicatos, associações profissionais de empresas públicas e
privadas, entidades de classe, sociedades acadêmicas e/ou técnico-científicas,
organizações não governamentais, movimentos ativistas de causas sociais e
ambientais, associações de atingidos pela mineração, dentre tantos outros.
É emblemática a simples não realização de audiências
públicas, em todos esses anos, nem mesmo para debater as linhas mestras do novo
Marco. O cenário que vemos hoje é de total desconhecimento, inclusive sobre
qual será o papel das instituições públicas relacionadas à questão mineral,
como a CPRM (Serviço Geológico do Brasil), até mesmo pelos seus próprios
servidores, que tampouco foram convidados para qualquer debate. Também fica a
percepção de que estas instituições não estarão aptas para qualquer tipo de
mudança, pois já têm hoje problemas estruturais graves, como um quadro de
funcionários, especialmente pesquisadores, em número muito insuficiente,
sobrecarregado e com tabelas salariais defasadas em relação a outras empresas
de governo.
Diante destes fatos, cabem alguns questionamentos. Por que
tanta falta de transparência? Por que não expandir o debate para todos os
setores da Sociedade? Há algum receio com a diversidade de opinião? Por que
apenas um pequeno grupo de servidores, assessores e políticos possui o poder de
decidir unilateralmente a melhor proposta de Marco? A quem serve este caráter
impositivo? Certamente, não à maioria da população brasileira, que somente
perde com a falta de debate aberto e com o vício paternalista das nossas
instituições públicas, pensando sozinhas e caladas sobre o que é “melhor” para
o país.
Hoje, a indústria de extração e transformação mineral é um
dos setores mais importantes da economia. Existe a expectativa de crescimento
consistente do setor pelos próximos anos ou décadas, seja pelo esgotamento de
reservas no exterior e redução global de oferta de algumas substâncias que o
Brasil detém reservas importantes, pelo crescimento da demanda por exportação
ou pelo consumo crescente de commodities no mercado doméstico.
Há diversos problemas conhecidos no setor, que passam
inicialmente pelo investimento insuficiente (ou, pela má gestão dos recursos)
em pesquisa, tecnologia mineral, infraestrutura, inovação, capacitação de
recursos humanos, desenvolvimento e fiscalização. Da mesma maneira, nosso atual
código mineral é arcaico, ineficiente e privatista, permitindo ou fomentando
práticas de mercado que passam pelo capital concentrado nas grandes empresas,
pela especulação financeira sobre direitos minerários, pela falta de
compartilhamento de informações entre a indústria e o Estado, pela delegação de
boa parte do planejamento estratégico do setor à iniciativa privada e pelo
baixo comprometimento dos agentes privados com a prevenção, redução e mitigação
de impactos sociais e ambientais gerados pelas atividades do setor. A
participação do Estado nos lucros da indústria mineral é pequena, seja pelas
diversas isenções fiscais já fornecidas ao setor, seja pelo reduzido valor dos royalties da
mineração. Ainda é incipiente a cultura da redução de danos pelos executores
das atividades mineiras no Brasil. As políticas de fechamento de minas e de
construção de cenários pós-mineração são fracas. E sequer existe uma política
nacional de gestão e preservação do patrimônio geológico e da geodiversidade,
muito menos uma discussão franca e aberta sobre onde não deve haver nenhuma
mineração, por fatores sociais, culturais, ambientais ou estratégicos.
O Brasil necessita de um novo Marco Regulatório da Mineração
e o setor mineral brasileiro precisa de uma reestruturação. Mas são igualmente
necessárias ações de Estado transformadoras, muito além da nova Legislação. É a
partir desses termos que a AGEN se coloca neste debate.
Em primeiro lugar, a AGEN apoia a criação de um novo
modelo de concessão de áreas, que privilegie, antes de tudo, o
interesse público, o planejamento estratégico de longo prazo do Estado e os
direitos individuais e coletivos das populações afetadas pela mineração.
O novo sistema deve ainda:
· Fortalecer
e ampliar significativamente o quadro técnico, a estrutura e o financiamento
das instituições públicas de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e
fiscalização do setor mineral;
· Tornar
obrigatório o compartilhamento de todos os dados de pesquisa e exploração
mineral das empresas com o Estado;
· Fomentar o
desenvolvimento da pequena e média mineração;
· Estimular
a diversificação, descentralização e pulverização dos recursos para
investimentos no setor;
· Impedir a
especulação financeira sobre direitos minerários;
· Priorizar
a preservação da biodiversidade e da geodiversidade nas áreas de atividade do
setor mineral, através de uma política participativa, realista e eficiente de
redução de danos;
· Determinar
a internalização de custos sociais e ambientais no plano de negócios das minas
e nos projetos de pesquisa mineral que causarem impactos significativos;
·
Implementar mecanismos que garantam a participação das comunidades locais no
planejamento, licenciamento, desenvolvimento, fiscalização e fechamento de
todos os empreendimentos mineiros.
Da mesma maneira, a AGEN apoia o aumento dos royalties da
mineração, desde que haja vinculação da destinação destes
recursos, principalmente, para o desenvolvimento de alternativas
pós-mineração, mas também para o desenvolvimento técnico-científico nacional,
para realização de melhorias nas áreas de Educação e Saúde públicas, para
programas sociais específicos voltados para os atingidos pelas atividades do
setor, e para viabilizar instrumentos públicos de fiscalização e auditoria das
empresas de mineração.
Por fim, é fundamental a criação de um Conselho
Nacional da Mineração, que seja autônomo e independente. Devem lhe
estar garantidos o planejamento, gestão e normatização das p
olíticas minerais,
bem como a participação na sua composição das entidades públicas e privadas
representativas do setor e de membros da sociedade civil organizada.
Os pesquisadores e analistas do Serviço Geológico do Brasil,
representados pela AGEN, apelam ao Poder Executivo para que permita um debate
amplo, plural e aberto em torno da proposta de Marco Regulatório da Mineração.
Colocamo-nos a inteira disposição para debater, e buscar a implementação de um
Marco Regulatório da Mineração abarque tanto as questões estratégicas da
política mineral do país, quanto o fortalecimento e estruturação do setor
mineral nacional, desde a pesquisa mineral básica até o encerramento de uma
mina.
Atenciosamente
Hugo Jose de
Oliveira Polo
Presidente da AGEN
Fonte: AGEN
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