Algo de muito maléfico está a rondar as articulações em torno da Rio+20.

Em nome do Desenvolvimento Sustentável, os países centrais, os mesmos responsáveis pela crise mundial sem precedentes, pretendem consolidar o predomínio do mercado sobre todos os seres vivos e coisas.

Não é a primeira vez que a retórica do discurso consegue encobrir projetos de poder nefastos da burguesia capitalista. Aqui mesmo no Brasil, nos anos de 1970, juntou-se a religiosidade do povo com o avanço do capital internacional, dando forma ao "milagre econômico” -a farsa do boom da economia responsável-, encobrindo o aumento espetacular da dívida externa.

Se isso o senso comum não percebia, menos ainda os outros acontecimentos que se sucederam. Enquanto o povo cantava "todos juntos vamos, pra frente Brasil, Brasil, salve a seleção” (era o ano da Copa do Mundo no México - o Brasil foi campeão), lutadores e lutadoras contra um regime odioso, gritavam e morriam nos porões da ditadura.

Qualquer semelhança com os dias atuais, não é mera coincidência: Copa - Público – Privado, Desenvolvimento Sustentável, Economia Verde. Novos jargões para velhos interesses, junto com os artifícios do discurso ufanista dificultam, à primeira vista, uma compreensão substantiva do que ainda está encoberto: relações de exploração reais, internas e externas, que agridem nossa consciência.

Tão importante quanto a Economia Verde como diretriz estratégica de intervenção e subtração dos bens da natureza por parte do bloco que está no poder, a Rio+20 foi preparada para consolidar a hegemonia do capital imperialista, tendo a Dívida Externa como instrumento importante para uma rearrumação do poder global e das diferentes categorias de subalternidade.

Os vampiros da crise – os bancos multilaterais, em especial o Banco Mundial (BM), a par dos Fundos criados e incentivados por este, têm aportado, além de mais recursos, tecnologia do conhecimento, com o fim de garantir que o crescimento econômico planejado a partir dali, não sofra mudanças de rota. As grandes corporações, também estimuladas por esse pensamento, buscam lugares aonde lhes sejam oferecidas as melhores condições para a obtenção de mais lucros.

Cresce o campo da responsabilidade social e ambiental empresarial e do empreendedorismo, instrumentos que têm contribuído para destituir as pessoas de seus direitos e para abafar a influência dos movimentos sociais na gestão de políticas públicas e no controle social.

Cresce também a participação de grupos e de ONGs nos projetos e fundos das instituições financeiras. O BM, por exemplo, aumentou de 6% para 50% a participação de ONGs em seus projetos relativos à questão climática. Isso significa uma absorção cada vez maior das demandas das Organizações da Sociedade Civil, ajustando-as à sua estratégia de liberalização da economia, rumo ao mercado verde.

O caminho do Verde já está decidido; não vamos nos iludir. O próprio Secretário Geral da Rio+20 já alerta aos países desenvolvidos (aqueles que não vivenciam a crise financeira), que terão de "se empenhar muito mais”.

Na verdade, a economia verde é tratada por esses países como se fora uma Ajuda Humanitária, a qual dependerá do acolhimento irrecusável dos países "em dificuldades”, que não poderão "atrasar” a sua efetivação. Esta, não virá para discutir processos; e, sim, para cobrar resultados.

Tremo ao escutar daquele Secretário que "o desenvolvimento sustentável é o futuro que queremos”. Futuro sombrio para muitos povos, basta ver a tinta carregada de "econo-verde” que escorre entre os dedos dos produtores intelectuais das grandes catástrofes.

É incrível, mas, o que aconteceu no início da década de 1990 com algumas organizações do sindicalismo na relação com o Estado brasileiro (participação consentida, subalternidade na relação e "gosto” pela acumulação de riqueza) volta com toda força; é claro, com novas formas de captura (são convênios, contratos, projetos a fundo perdido, apoio ao empreendedorismo, diálogo direto, sem mediações, valorização do indivíduo...). O Estado, aliado com a mídia, tenta neutralizar com os mais variados artifícios as poucas chamas da insatisfação popular, aquelas que "correm por fora” daqueles movimentos que, mesmo com a força que conseguiram acumular historicamente, não são capazes de acreditar que é possível quebrar a lógica desumana do modelo de relações sociais, ambientais e de produção e consumo.

Em verdade, o desenvolvimento sustentável, nessa perspectiva, precisa do verde para se sustentar; mas precisa também de um comando com a eficiência na medida, onde todos os vetores do conhecimento estejam vinculados a um poder central e centros estratégicos de poder a partir de uma geopolítica afinada, a seu serviço.

Não é só o futuro da economia que interessa decidir, daí a relativa importância do Fórum de Davos, nesse contexto. Na Rio+20 vai ser decidido -e com o aval de muitas organizações da sociedade civil- o modo de operar da economia e da política, combinando as forças de uma e de outra. Vai-se decidir qual desenho de governo global será capaz de dinamizar as forças de mercado indefinidamente e sem contestações. Qual sistema de proteção jurídico-institucional deverá ser impulsionado nos Estados nacionais para garantir esse governo global.

A questão que se coloca como desafio para quem ainda se indigna é:

O que está sendo proposto para a Cúpula dos Povos (iniciativa dos movimentos sociais mundiais, paralela à Conferência oficial) dá conta da necessidade urgente de se construir coletivamente saídas para a situação em que nos encontramos? Dá conta de nos contrapormos à "Economia Verde Inclusiva”, como quer a Comissão brasileira na Conferência? Dá conta de mostrar a nossa indignação?

O que está sendo proposto para a Cúpula dos Povos é, de fato, a agenda aonde se instaura o conflito?

Absolutamente convicta de que estamos todas seguindo para mais uma versão de um Fórum Social Mundial qualquer, reproduzindo-se os mesmos equívocos da construção e operacionalização destes, quiçá com uma Carta final já pronta, com o mesmo blá, blá, blá..., o convite que faço é para subvertermos essa ordem dada como a correta e inquestionável.

Cúpula dos Povos só tem sentido se, de fato, for construída desde o local, pelas pessoas que sentem diretamente os processos que vão, a passos largos, retirando-lhes os sentidos que organizam suas existências. Ninguém melhor para dizer como era e como deveria ser o desenvolvimento de uma cidade do que as pessoas que respiram o metano e outros metais tóxicos produzidos pelas siderúrgicas, termoelétricas e refinarias; quem bebe a água podre que vem dos rios poluídos pela falta de saneamento básico; quem não mais pesca porque os peixes estão mortos ou escassos em função da construção de mega-hidrelétricas; quem corre todo dia o risco de ser vítima de um trânsito caótico, porque mobilidade urbana é menos prioritária do que um mega aquário; quem se sente acuado, removido e despejado pelos latifúndios improdutivos e por grandes empreendimentos de infraestrutura nas cidades.

São esses os sujeitos Sem-Cúpula, que precisam ser escutados.

Magnólia Azevedo Said
Advogada. Diretora do Esplar - Centro de Pesquisa e Assessoria


Fonte: www.adital.com.br